Quando eu tirei do fundo da minha mochila aquele saquinho transparente cheio de fitinhas coloridas de Nossa Senhora da Aparecida, demorei alguns segundos para me lembrar do que aquilo se tratava, ou melhor, porque o carreguei comigo na minha viagem de volta ao mundo e porque era umas das únicas coisas que voltou praticamente intacta. Então, me lembrei. Eu tinha pensado numa lembrançinha do Brasil que pudesse dar para os amigos viajantes que fizesse pelo meu caminho, queria algo leve, que não ocupasse muito espaço na mochila. Achei que a fitinha da padroeira do país era uma excelente idéia.
Mesmo com minha educação católica, eu sempre fui criada com uma liberdade religiosa muito grande, como muitos brasileiros, acho normal a gente ir na missa aos domingos, tomar um passe às terças-feiras e ir num culto nas sextas-feiras. Sempre acreditei que o importante é a gente se sentir bem e fazer o bem . Apesar de já ter lido muito sobre religiões e conflitos religiosos, confesso que fui pega meio de surpresa com o real papel que a religião tem no mundo e como esta influencia a política de um país, sua cultura e costumes, como as pessoas devem se vestir, o que podem comer. E uma questão sempre incômoda para mim, como as mulheres vivem. Não sei se eu era ingênua, ignorante ou se simplesmente nunca tinha parado para pensar seriamente sobre isso.
Na Malásia, por exemplo, você só pode ser político, se for mulçumano. Na Índia, um país que a gente acha de uma espiritualidade sem tamanho, os Hindus e os Mulçumanos não podem morar no mesmo prédio, as vezes nem no mesmo bairro. E na Turquia, não sei como não fui atacada por um homem bomba quando no meu primeiro dia, sozinha, sentei num bar e tomei uma cerveja. E pensando no Brasil, as religiões cristãs dizem que usar camisinha e fazer sexo antes do casamento é pecado.
Antes de chegar num país, eu normalmente pesquisava qual era a moeda, o idioma, mas depois de um tempo a primeira coisa que queria saber era quais as religiões dominantes onde eu iria desembarcar. Assim, já sabia como devia ir vestida, o que eu poderia comer e se eu iria visitar muitos templos, muitas igrejas ou muitas mesquitas. A possibilidade de um ataque terrorista passou a fazer parte até dos meus sonhos. Tudo em nome de um Deus, ou vários.
Eu só não tive coragem de distribuir minhas fitinhas, como voltei com minha fé, ou melhor, com minhas crenças abaladas. Comecei a ter muitos questionamentos. “Será que meu Deus é o mesmo Deus desse povo?”, “Qual história é a certa?”, “Que tamanho é a minha fé?”, “Por que eu acredito na minha versão da história da religião e não em uma das versões que eu ouvi pelo mundo?”. Se instalou um vazio no meu peito, eu e o meu Sagrado nos afastamos.
Outro dia, lendo o livro do Roman Krznaric, Sobre a Arte de Viver, ele traz a seguinte reflexão:
“A crença religiosa, portanto, é em grande parte um acidente de nascimento, geografia e história. Se você tivesse nascido numa típica família do Teerã contemporâneo, seria quase certamente mulçumano, e acreditaria nas verdades do Corão, assim como, se tivesse nascido na Itália rural no século XX, teria sido católico. A aquisição de nossa religião parece semelhante à aprendizagem da língua materna. ”
Ou seja, a maioria de nós não escolheu sua religião depois de um estudo detalhado de todas elas e pela que mais faz sentido para si. Fomos influenciados pelo meio, pela maioria que estava a nosso redor, este que sempre parece o caminho mais fácil e seguro. Usando a questão religiosa como âncora, foi a hora de destruir todas minhas certezas. Ajustar o olhar para tudo e todos de forma a tentar reconstruir uma nova versão de mim, a minha versão.
Eu revi meu olhar quanto ao trabalho, ao dinheiro, a minha aparência, as relações humanas, e enfim, as minhas escolhas. E foi nessa reconstrução que eu e meu Sagrado voltamos a nos entender. Ele me contou uma série de coisas, entre elas, que Ele e religião não são a mesma coisa. Que menos importa se eu optar pela missa de domingo ou pelo passe de terça, o que importa é a nossa relação, eu e Ele. Podemos ter uma relação de medo, que se não me comportar, irei ser castigada ou uma relação de troca, eu te dou isso e você me dá aquilo. Ou ainda podemos ter uma relação de confiança. Não importa em que direção seguiremos, norte ou sul, verão ou tempestade, solteira ou casada, filhos ou sem filhos, saúde ou doença. Mas o que importa de verdade é que vamos passar por tudo isso juntos. Eu e minha Fé.
E as minhas fitinhas? Decidi espalhá-las nos braços das pessoas que eu amo, mas dessa vez, sempre contando essa história, que não importa no que cada um acredita, mas que aconteça o que acontecer, vamos estar sempre juntos, ligados pelo laço que une, que eu costumo chamar de Amor.
Adoro seus textos!
Entrando na reflexão: em nenhum momento sua fé foi abalada? Não passou pela sua cabeça a ideia de que possa não existir deus nenhum?
Continue escrevendo sempre!
Beijos minha amiga
Oi Minha Amiga!
O que passou pela minha cabeça foi que realmente não deva existir um Deus Católico, um Deus Protestante, um Deus Hindu, um Deus Muçulmano e por aí vai…mas diante de tantas belezas do mundo, diante de tantas histórias de vida, voltei com uma certeza que existe sim algo maior que nós, uma força presente na natureza, na Energia que a gente emana…Talvez este Deus que as pessoas tanta procuram em suas religiões, está na verdade espalhado em infinitos pedaçinhos dentro de cada um de nós e a gente precisa encontrá-lo, entrar em contato com o nosso Sagrado. Tenho certeza que se conseguíssemos fazer isso, o mundo seria bem mais legal!
Beijos, Amo você
Mais uma vez adorei o seu texto. Não só isso, me identifiquei com a sua descoberta sobre as religiões e a fé.
Obrigada Aline. beijos
Que texto, nunca pensei por esse lado em relação a relação a religião.. Muito bom poder ter acesso as suas experiências através do blog. Como já dito… Continue escrevendo sempre!
Bjs
obrigada! obrigada querida!
sim, continuarei escrevendo e dividindo as experiências por aqui!
beijos
Ola, Camilla!
Hoje fui dar uma olhada nas notícias sobre Santos ,(cidade que gosto muito, por várias razões) e caí na reportagem sobre sua viagem. Adorei! Do alto dos meus quase setenta anos, eu digo que, com um pouco menos de idade, eu faria uma viagem assim, com a qual secretamente sempre sonhei..
Viajei muito já, morei fora do Brasil alguns anos em dois países diferentes (Alemanha e Espanha), tenho filha que mora nos EUA, enfim deu para ver coisas diferentes.
Mas essa viagem sozinha pelo mundo…sempre me fascinou…
Parabéns pela coragem (apesar de estarmos no século XXI) e continue a concretizar seus sonhos… que é o que vale a pena para a vida ser vivida!!!
Grande abraço, Regina
Ohhh que linda. Obrigada Regina! Sim, essa experiencia foi incrivel, transformadora e ainda estou processando tudo o que vivi. Beijos
Adorei! Me questionei sobre isso há alguns dias quando estava vendo um documentário sobre os conflitos no Iraque.
Obrigada Amanda! Bjs
Nossa Camila, texto maravilhoso…Estou passando por um grande dilema, até ano passado era casado e pensei por muitas vezes se era isso mesmo o que queria…Sinto que preciso de mais, conhecer novas culturas e lugares é o que mais quero..
Lendo o texto em que você fala sobre a busca do seu eu, do seu sonho de viajar, me ví ali…no mesmo dilema.
Bom, esse ano já começa a brotar em mim o meu novo eu, passaporte já está no plano e aulas de inglês, no decorrer do ano começa meu planejamento para onde vou..
Tenho um irmão na Califórnia, e provavelmente esse será uma de minhas paradas..
Parabéns pelo blog, continuarei acompanhando…
Obrigada Eduardo! Boa sorte e se tiver algo que eu possa ajudar, estamos ai! Bjs